sábado, 24 de maio de 2014

7 Quadros 7 contos

Conto VII


“O beijo” de Klimt. Sim, beijo, amantes, ouro, composição de cores cromáticas. Fascina-me o ouro, o dourado, e Klimt sabe-o bem, porque não há obra do pintor que eu não goste. O Beijo, uma reprodução chinesa perfeita, encontrei-o em casa de um casal jovem que vivia para os lados do Parque das Nações, um certo dia que tive de me deslocar até lá para levar o meu filho às explicações de matemática. O rapaz convidou-me a entrar e no hall de entrada o quadro estava pendurado na parede. Parei e fiquei a olha-lo fixamente. Tempo demais pareceu-me, até o rapaz me despertar dos meus pensamento com um, conhece? Gosta? Acordei e respondi-lhe que conhecia e adorava, mas não tinha imaginado estar num frente a frente com o fabuloso “O Beijo”. Respondeu-me que poderia adquire um também, porque um site chinês reproduzia qualquer obra que eu quisesse, e na perfeição como eu estava a ver ali. Durante muito tempo pensei em mandar reproduzir uma das minhas obras preferidas, poderia ser aquela ou outra de Klimt, ou até uma outra qualquer, mas desisti da ideia, para mim o “ O beijo” ou é original ou não é. E Klimt pintou-o com grande mestria, é o original que eu queria ter e ponto final. 

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Conto VI


Trabalhei durante 5 anos numa biblioteca municipal que está localizada num bairro histórico de Lisboa, o Bairro Alto, perto do pitoresco e elegante bairro do Chiado. No Chiado está localizada a Faculdade de Belas Artes. A biblioteca tem um acervo riquíssimo em artes, na tabela classificação decimal universal (CDU) encontra-se classificado com o número 7, artes; artes visuais, artes plásticas, artes digitais, cinema, teatro, dança, ou seja, compreende o grande tema. Esta secção é, e sempre foi, a mais visitada na biblioteca, onde os alunos de artes da faculdade ficam a ocupar o maior espaço físico por terem à mão de semear os maiores génios e outros, dos temas dados nos semestres em que as disciplinas se desdobram. Foi nessa biblioteca que fiz o primeiro contacto com aquele que foi considerado o génio da Bauhaus e grande influenciador da pintura abstracta lírica, que transmitiu as emoções através da tela e no abstracto revela uma encenação teatral. Quase todos os estudantes pediam o mesmo livro, Kandinsky, e todos eles queriam a “Composição 8”. Ficava fascinada a olhar as cores que me deixavam a pensar o que o pintor queria dizer com aquelas formas geométricas, numa composição estética que bailam num espaço de explosão de cores, azuis rodopiam com amarelos, as cores quentes convivem em harmonia com as cores frias. Foi muito antes de lançar-me na minha aventura da pintura, parecia que estava a adivinhar que um dia escreveria sobre a bela “Composição 8” de Kandinsky. 

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Conto V

Em 1996 comecei a aprender a pintar num estúdio de pintura porque me sentia com vontade, inspiração e cheia de certezas que seria bem-sucedida nas minhas vontades. Uns anos mais tarde, e por indicação de uns amigos, recomecei a as minhas aulas de pinturas mas desta vez a ter aulas de figura humana com um outro pintor, um aristocrata italiano que tinha, por razões anarcas e marginais, deixado o curso de medicina e se tinha embrenhado na floresta Amazónica. Quando um dia me confrontei com a primeira aula de pintura de figura humana e ele me perguntou o que queria por na tela, disse-lhe que precisava de um modelo porque só pela imaginação e criatividade não chegaria lá. Abriu um grande livro de pintura que tinha em cima de uma mesa, ia folheando devagar para eu escolher um modelo, depois de passar algumas páginas parou numa que me prendeu o olhar. Uma mulher de costas, semi nua, esperava sentada numa cama, a predominância das cores atraíram-me de imediato. A Toilete, de Henri de Toulousse-Lautrec, era esse o modelo. Uma mulher que Lautrec pintou das muitas vezes que a visitou. O quadro ficou fantástico, era a minha versão, claro que sempre que eu entrevia, lá estava a supervisão do mestre. Dei-lhe o nome de “A Espera”. Mais tarde, 2 anos depois, um amigo revelou-me que estava apaixonado, e que gostaria de oferecer ao amor da sua vida um quadro, e gostaria que fosse eu a pinta-lo. Explicou-me a história e como tinha conhecido a amada, e de imediato revi naquele quadro a história dele, e apresentei-lhe a minha “Espera”. O meu amigo comprou-me o quadro, a minha versão de Lautrec, gostou tanto que quis ficar com ele, mas ironicamente acabou por o pendurar numa das paredes da casa, a relação desfez-se, não passou da paixão, quiçá como a versão original do quadro Lautrec .  


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Conto IV

No segundo ano do curso de cenografia, numa das aulas de projecto e oficina, o Professor disse-nos que tinha uma proposta para nos fazer. A proposta consistia numa obra que teríamos de reproduzir, uma pintura, e esse quadro, seria “Les Demoiselles d’ Avignon, de Pablo Picasso. Não tinha muitas certezas do que poderia ser feito com a obra de Picasso. Comecei pela pesquisa para conhecer a obra, conhecia vários trabalhos do Picasso mas esta particularmente não conhecia. A primeira surpresa foram as cores que transmitiam calma, em vez das cores fortes que sabia serem usadas pelo pintor noutras obras, mas o que mais me surpreendeu foi saber que as meninas eram prostitutas, e não conseguia encontrar uma relação entre as cores e tema. No entanto, depois de muitas voltas e reviravoltas com o tema, lá me predispus a avançar com uma proposta. O resultado foi, as minhas meninas vestidas de vermelho, por me parecer mais sensual e erótico, a venderem não o corpo, mas a distribuírem as emoções a quem as quisesse partilhar. 



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Conto III


Almada! Não conhecendo muito bem, tenho grande lembranças quando ia nas  férias da Páscoa para o  Alentejo com a família e, ao  passar a ponte sobre o Tejo, e ainda por estradas secundárias porque não havia ainda autoestrada, passava no Centro Sul, e lá estava ele de braços aberto como que a querer abraçar-me ou a querer dizer Benvinda ao Sul. Mas Almada Negreiros, para mim representa um dos maiores génios da pintura portuguesa, atrevo-me mesmo a dizer, génio da pintura Universal. Um dia, inesperadamente recebo um poemário, fiquei de tão emociona, não por ser um poemário, mas porque era um poemário especial, era um poemário do Fernando Pessoa, com os maiores e os mais geniais poemas escritos, ali mesmo na minha mão. Mas o mais fascinante é que para além de ter na minha mão poemas que percorrem o mundo inteiro tinha uma capa de um dos maiores génios da poesia Universal, ou seja, dois em um, dois génios, o da poesia e o da pintura, o génio da poesia retratado pelo génio da pintura ali na minha mão. Usei-o, li-o, folheei-o vezes sem conta. Um dia, inesperadamente, sem perceber como nem porquê, o poemário tinha desaparecido da minha estante. Procurei-o na estante, no quarto, noutro quarto, e ainda noutro quarto, e nada. Não o vi mais. Um certo dia, fui encontrar-me com uma amiga à Casa Fernando Pessoa e, mais uma vez fui surpreendida. O poemário e o quadro estavam ali. O Fernando Pessoa olhava para mim do alto da sua parede majestosa, pintado maravilhosamente pelo pintor e o poemário numa estante, não era o meu, mas estavam juntos como eu gostaria de os ter na minha casa. Foi assim o meu encontro com o Fernando Pessoa e o grandíssimo Almada Negreiros.  

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                            Conto II

Um dia em conversa com umas colegas de conservação, desabafei que tinha que fazer um trabalho para História da Cenografia, e que para além do trabalho teórico gostaria de ilustrar o meu trabalho com uma maqueta em 2D. Estava a pensar num quadro, mas esse quadro teria de se adequar a uma representação em 2D, e não me lembrava de nenhum no momento por estar muito cansada. Perguntaram-me se estava a pensar num autor português ou num autor estrangeiro. Disse-lhes que preferia português. Tenho uma proposta para ti, é uma obra fantástica e tese de Doutoramento, que deveria ser reproduzido, uma obra fantástica de um pintor que foi genial e com uma carreira curta, disseram-me, amanhã trago o livro sobre o pintor, editado pela Gulbenkian. Quando no dia seguinte me deram o livro e o abri, fascinou-me de imediato as cores terra e quentes, como o pintor desenhou a cozinha, e como me fez recordar a minha infância, quando as minhas tias e a minha mãe se juntavam para preparar a ceia natalícia, os doces, as filhoses, senti o cheiro dos bolos, da lenha a arder no forno. Ainda hoje quando vou ao Alentejo o cheiro está presente em mim, entranhado nas narinas, na pele. E foi assim que conheci Amadeo de Souza-Cardoso, a Cozinha de Manhufe. 

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Conto I
Qualquer uma destas obras não foi escolhida ao acaso. Qualquer uma destas obras representa para mim um momento, uma pessoa, uma emoção ou sentimento. Cada uma destas obras foi-me dada a conhecer por uma outra pessoa, que por razões diferentes marcou a minha vida e até hoje ficou na minha memória, para quiçá um dia narrar uma história de vida.

 “ O Grito” de Munch, foi me dado a conhecer num dia cinzento, chuvoso e frio. Estava eu enrolada numa manta recostada no sofá, a deliciar-me com uma caneca de chocolate quente, quando o telemóvel dá sinal de ter recebido uma mensagem que dizia, “ vedrà l´email”? Liguei o computador, abri o email e fui ver o que me tinham enviado. Ali estava ele, o email de um amigo que reside em Impéria, Itália. Dizia ele, que em Impéria o céu estava cinzento, chovia e fazia frio, perguntava se queria acompanhá-lo num chocolate quente. Tinha um anexo. Abri o anexo e estava Munch, “O Grito”. A legenda dizia, estou como o dia, apetece-me gritar, grita comigo! E assim, aquele quadro que eu já tinha visto várias vezes na internet, de um autor que pouco me dizia, entrava na minha vida através de alguém que se encontrava num estádio cinzento como o meu, e pedia-me para gritar com ele. E eu gritei! E guardei na minha memória o grito.